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à nora com a sogra

Um blog sobre histórias de família em geral e mães de maridos em particular. Ou um registo terapêutico de episódios reais que mais parecem ficção.

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Sossego a mais...

Sinto-me um bocadinho como o passarinho que fica à espera que a cobra venha ao ninho.
Pode parecer um enorme e grande disparate mas na realidade, [até eu] de vez em quando vacilo nas minhas certezas e me tremem as pernas.
No Domingo passado a minha Sogra resolveu telefonar. Nunca se espera grande coisa dali por isso, confesso que até ao Coiso aquilo meteu uma certa desconfiança. Não queria nada. Mesmo nada. Só saber das meninas, desejar-lhes um feliz Dia da Criança e mais nada.
Quis dar um beijinho ao filho, pelo que pediu à neta que lhe passasse o telefone. E deu. Durou 5 minutos, a conversa com ele. Generalidades, pouco contou, pouco quis saber.
Perguntou se eu estava e se podia “dar-me um beijinho”. O Coiso fugiu à resposta, não a quis a falar comigo, arranjou uma daquelas desculpas triviais e ficou-se por ali.
Soou-me a muito, muito estranho. A engodo. A qualquer coisa que não bate certo com a personalidade dela.
Está tudo muito calmo e isso incomoda-me.
Tirou-me o sossego, entretanto. Porque me apercebi que ser “boazinha”, ainda que seja algo que não uso como rótulo mas sim como lema de vida, me vai valer um valente precedente – coisa aliás, que um par de leitoras deste blog, fez questão de me avisar.
O ter encaixado em mim e no meu lar, vontade suficiente para relevar o passado e permitir a estada da Sogra 2, gera um voucher automático que cria o precedente de receber um membro da família aqui, na minha casa, no meu lar, neste novo país que nos acolhe. E isso… isso vai ter que ser muito bem gerido. Se pensam que compram passagens e depois aparecem por aqui e já está, estão muito enganados.

Porque se há coisa que me incomoda, é quererem dar-me a volta pela calada. E eu nem sempre sou boa rés para aguentar surpresas de última hora.

Histórias de família

Ou de como o real às vezes parece guião de novela mexicana.

 

Correndo o risco de me expor demasiado ao explicar meia história de família, a ver se consigo fazer aqui um bom retrato que vos dê a dimensão real de eu ter duas sogras - como se uma só não bastasse.

 

A Sogra (mãe do Coiso) regressou um dia a casa para descobrir que o marido já lá não estava, que deixou as gavetas vazias e com ele levou o que lhe interessou. Deixou uma casa disfuncional, uma mulher abandonada e três crianças que, no meio desta confusão toda, tiveram que se contentar com o que havia e crescer num mundo que não lhes foi justo. Sei muitas coisas deste casamento interrompido. Não só porque ouvi de várias partes as versões que lhes convinham, mas porque quis um dia, que um familiar me desse uma caixa cheia de fotos e papéis - coisas velhas, muito velhas, que eu adoro - onde, por acaso, estava um monte de cartas escritas piedosa e apaixonadamente, cheias de detalhes e de lágrimas, pela Sogra (mãe do Coiso) para o Sogro, e que nunca chegaram ao destino. Curiosamente, cartas que foram escritas para esta sogra, também nunca lhe chegaram às mãos. Pelo caminho, cartas de irmãs para irmãs, de mães para filhas. Esta caixa, abandonada num sótão da Avó do Coiso, chegou-me às mãos, provavelmente, sem se saber o quanto de uma vida lá estava dentro. E eu também nunca me desfiz, a não ser na partilha com o Coiso. Muita coisa ficou explicada, acreditem.

 

Por exemplo, a forma como a Avó do Coiso odiava a nora e o quanto conspirava contra a senhora. Com meio mundo e com toda a garra, a mãe do Coiso era o centro das atenções e claro, quando o filho abandonou a nora, esta avó culpou a nora, que outro motivo seria válido para justificar que o rapaz fugisse para outro país, sem sequer dar cavaco? Daí a ficar com o Coiso e criá-lo como um filho e não como um neto, foi um pulinho.

 

Então temos, de um lado a mãe do Coiso que, de forma legítima - aceito, é sogra por direito e faz o seu papel de coitadinha para o filho e de diabo para mim. E depois, do outro lado, uma avó que criou o neto durante parte da infância e toda a adolescência e como tal, acha-se no direito de exigir o estatuto de sogra também. Afinal o "fui mais que uma mãe" é o lema da vida dela. Eu chamo-lhe a sogra 2. E quando uma anda mais sossegada, a outra lembra-se de puxar do pau da vassoura e picar o ninho. Às vezes... não há paciência.

 

Milhentas histórias que vos posso contar. Algumas, vimo-nos no meio das batalhas de Titãs entre estas sogras, noutras, é a ver qual das duas consegue ser mais mesquinha connosco. Enfim.

 

Agora para algo mais mexicano: a família da Sogra 2 (a Avó do Coiso), é amiga da família dos meus pais, desde sempre. Daí eu ser uma menina de colo da Avó e que mantive o estatuto de querida e fofinha e tal e tal durante dezenas de anos - até o meu namoro com o Coiso virar coisa séria e a Sogra 2 começar a olhar para mim não como a menina fofinha mas como a mulher-vestida-de-ladra que lhe ía roubar o neto de casa. E a minha vida começou a ser inundada com o seu fel.

 

Já levava 5 anos de namoro quando tive forçosamente que me mudar para a capital e embora de início estivesse num apartamento alugado, estava só e longe do centro. A Avó do Coiso tinha um quarto vazio e na altura convidou-me para ir viver para lá e sempre estaria no meio da família. Os meus pais concordaram e eu passei a pagar à avó o valor de renda que pagava no apartamento e a fazer as compras da comida para 3 (eu, a avó e o Coiso), algo que não me incomodava. Por ter tido uma educação muito rígida (e que eu agradeço, acreditem), achei que estaria no meu dever fazer as tarefas da casa - a avó trabalhava 12 horas diárias e eu tinha as manhãs semi-livres. Limpei, lavei e passei a ferro. Fiz refeições e quando a avó chegava, verificava a casa, passava os dedos na mobília e criticava o napron mal esticado na cómodo ou a camisa mal estendida ou a sopa muito grossa, ao jantar. Enfim, havia sempre o que criticar. Eu ficava sentida, mas calada. Era miúda, estava ali para estudar e sentia-me sortuda por poder estar com o Coiso, ainda que não dormíssemos no mesmo quarto.

 

A tal família da sogra 2, amiga desde sempre dos meus pais, começou a olhar-me de esguelha, deixei de ser a menina querida e fofinha e passei a ser tida de ponta e a cabeça do Coiso a levar a lavagem de que eu não era boa rés para ele. Um dia apercebi-me: a avó andava a contar cenas mirabolantes que tinham de tudo: que ela era escrava, que eu obrigava a que o jantar fosse o que eu queria e ela vinha cansada e ainda tinha que cozinhar, que ela tinha que limpar a porcaria que eu deixava e que eu era mal-educada. Inclusive que eu estava ali de graça e que os gastos da comida eram demais para ela. O típico guião de novela mexicana. Eu soube por acaso. Calhou ouvir uma conversa paralela e fui tirar os meus nabos da púcara.

Chegou aos ouvidos dos meus pais e claro, quem não vê não sabe, estamos a falar de coisas com 20 anos (sem telemóveis e afins) e a ordem foi que largasse tudo e voltasse para a aldeia, JÁ!

 

Eu não queria acreditar no que os meus ouvidos deixavam entrar quando uma das tias do Coiso me contou as atrocidades que andavam a soar sobre mim. Impressionante as histórias rocambolescas.  Não tive outro remédio. Comprei um daqueles gravadores pequeninos, de jornalistas, enfiei-lhe uma cassete, coloquei num bolso e enfrentei a fera.

Sentada na cozinha com ela, perguntei-lhe se gostava que eu estivesse ali em casa. A resposta cor de rosa e cheia de mimo que deu, a ajuda preciosa que era, a casa e roupa sempre impecável, o jantar pronto quando ela chegava, o Coiso feliz, a ajuda que era o dinheiro da renda e a comida que eu estava sempre a comprar... tudo, direitinho, saiu daquela senhora. E eu gravei. E depois fiz-lhe a questão directa "porque andou então a dizer a toda a gente o contrário? Isto e aquilo e tal?" Ui. Até chorou a dizer que era mentira e que nunca tinha dito tal coisa, que as pessoas são más e que querem é que o neto a odeie e o rosário todo de maldades que lhe fazem. Que a irmã Xpto é que é a má da fita, que ela é que envenenou os meus pais e por aí a fora.

 

Sei dizer-vos que foi muito complicado para os meus pais ouvirem a tal cassete. Porque é muito mais fácil acreditar-se numa avozinha querida que numa miúda universitária. Que tive que implorar que ouvissem a cassete. Mas quando a ouviram? O mundo desmoronou e eles perceberam muito bem as tramóias que vinham dali. Por mim, estava esclarecido o assunto com os meus pais, estava bem. Mas o Coiso decidiu que eu não havia de ser a má da fita e num daqueles almoços de família bem recheado, a meio da sobremesa, resolveu colocar a cassete alto e bom som.

Novela mexicana, estou a dizer-vos: uns levantaram-se e abandonaram o local, outros cochichavam, outros ripostavam uns com os outros, a Avó chorava as mesmas lágrimas de crocodilo de sempre e eu, fiquei quietinha a observar enquanto me apeteceu. Depois pedi para ir para casa e saí.

 

Mudei de casa, óbvio. E o Coiso também. Foi viver comigo.

 

As coisas nunca mais foram as mesmas, é certo. E os meus pais perderam a ligação forte que tinham com os amigos, ficando uma coisa mais... nhec. A Avó virou uma Sogra 2 com a bagagem toda apetrechada mas eu já estava preparada. Houve alturas que se juntaram as duas sogras contra nós, outras que tiraram à vez.

 

Dou gargalhadas cada vez que me recordo da cara da sogra 2 ao ouvir a cassete.

 

Entretanto, 20 e tal anos já se passaram e muita história já aconteceu. E ela sabe que comigo não faz farinha. Mas tenta. E prevejo que vão ser umas férias engraçadas... oh, se vão...

Não tenho feitio para ser o que não sou

E esta minha máxima serve para tudo. Para o bem e para o bem, que eu cá não sou de viver no mal.

 

O Coiso deu um mega sermão à irmã mas o leite já estava derramado. Entretanto, porque na nossa vida nada é como nos filmes e as legendas nem sempre são direitinhas e com a ortografia toda [politicamente] correcta, a Sogra não vem. Mas vem "a sogra número 2". Eu tenho duas. É inevitável aceitar esse facto.

 

São 83 anos de muita luta, de muita aspereza e com muita arrogância. Nem puxo o tópico da mania de ser a melhor. MAS... também são anos de final de vida, de arrependimento e de desculpas que foram pedidas a seu devido tempo, que desculpa tem sempre tempo infinito para se ouvir.

 

As minhas moças gostam desta bisavó. Conhecem-lhe a história e sabem que em tempos foi pessoa que não fez parte da família e que o Pai não se lhe permitia nem a referência. Mas sabem também que esta bisavó correu o mundo para recuperar o neto e tentar ser parte da sua vida. E eu tenho que aceitar. Independentemente de estar perdoado mas não esquecido.

 

O que me espera? Uma mistura de carinho com alguém que nunca vai perder a habilidade de ser falsa, de ser acusatória e de ter bipolaridade no que concerne à minha pessoa. Daquelas que está tudo muito bem mas que na confidência com os outros, há sempre uma crítica, uma malícia.

 

Se vale a pena quebrar o meu sossego? Deixem-me colocar a questão de outra forma: Eu não sei ser o que não sou. E não sou rancorosa. E também não sou má. E já passei muito na vida, já antevi muitas vezes o fim da linha e já segurei nos braços muitas vezes finais de linha de quem nem teve tempo de reconsiderar.

Não concorro ao prémio "Pessoa do Ano", e muito menos faço questão de palmilhar a passadeira vermelha dos "É uma pessoa de bem Awards". Mas sou eu: aceito que as pessoas se esforcem para mudar, para gostar, para recuperar uma vida familiar. Gosto de acreditar que consigo ver e fazer sobressair o que de bom possa-lhes assistir dentro de um coração de pedra e fazer disso o suficiente para dar-lhes novas oportunidades.

Não me iria sossegar o negar tempo de vida com a família, a esta pessoa que, afinal, as moças até estimam. E eu também, às vezes. Quando a bipolaridade da sua forma de ser me aceita como sou.

 

Um dia conto-vos as maldades desta sogra 2. E também a reviravolta que foi no dia que a confrontei por a + b e lhe demonstrei que na minha vida familiar, não se brinca. No porquê da ausência dela na nossa vida durante 8 anos, conhecendo as bisnetas já elas sabiam ler e escrever.

 

Para já, respiro fundo e aceito. Tenho muito mais em que pensar do que no sentimento de quase incómodo que sei que sentirei. Por agora, reviro os olhos mas sigo em frente. Hei-de ter paciência.

E sabem que mais, hei-de ter muito que contar. Ainda são 15 dias e muito braço de ferro pela frente.

 

Seja.    

 

PS - Sabiam que esta Sogra 2 é Sogra da Sogra? Muito bom... Elas têm uma picardia uma com a outra, digna de ser relatada!

AQUELE telefonema

Pronto. Tinha que ser.

Se eu estava à espera disto? No fundinho da minha consciência, sim. Claro. Se estava preparada? Não.

 

Viver noutro país - ou se quiserem, ser emigrante, tem muito que se lhe diga. Principalmente no que toca à parte em que muita gente de repente acha imensa piada ao estarmos no local xpto e olham para nós como aqueles familiares favoritos ou mesmo os melhores amigos de sempre (dantes éramos apenas "pessoas") ou se quiserem melhor termo: "temos onde dormir e comer de graça se formos ao país xpto". Isso é que era bom. Com a distância vem outro atributo: o discernimento.

 

Vai daí que toca o telefone. Era a cunhada. Se fosse a Sogra, sei que "ninguém" tinha ouvido o telefone. Mas a cunhada sabe muito e sabe que o irmão atende sempre.

 

Ela - A Mãe agora chora muito e quer estar contigo. Tem muitas saudades, não te vê há mais de um ano.

O Coiso - Mas normalmente passava mais de um ano sem me ver e nunca lhe afligiu. Deve ser algum achaque novo.

Ela - Não sejas assim. A Mãe está com muitas saudades e precisa estar contigo.

O Coiso - Sim. Vou estar aí em Agosto, poderá ver-me nessa altura.

Ela - É esse o problema. Vai passar o mês de Agosto em França, por isso não pode estar contigo.

O Coiso - Olha, problema dela. Já lhe tinha dito em Janeiro que íamos em Agosto. Marcou viagem porque quis. Fica para a próxima.

Ela - Por isso é que te estou a ligar. Comprámos bilhete para ir passar férias contigo, em Julho. Tens é que a ir buscar ao aeroporto. Fica 12 dias em tua casa, ok?

O Coiso - Compraste bilhete? Sem me perguntares nada? Anula o bilhete. Já.

Ela - Não posso. Já paguei e não é reembolsável e custou um dinheirão. Faz lá o jeitinho. É nossa mãe. Tem saudades tuas. Qualquer dia morre e ficas repeso.

O Coiso - Anula o bilhete, muda o destino faz o que entenderes. Aqui para casa, não vem. Ninguém me perguntou nada.

Ela - Por favor... não sejas assim.

O Coiso - Tudo bem. Queres que ela venha para aqui? Que venha. Eu marco-te um hotel baratinho. Mas que não pense que vem abancar na minha casa.

Ela - Vou falar com ela. Depois digo-te alguma coisa mas olha que não faz tensões de gastar dinheiro... diz que teve o filho e que agora é hora de ser o filho a tratar dela.

 

O meu Coiso desligou. Não sem antes dar-lhe o belo do sermão e óbvio que não conto aqui as calinadas no calão e outras frases menos politicamente correctas.

 

Na manhã seguinte (ontem), ligou-me a mim. A cunhada. Para que intercedesse no assunto.

Desta vez fui fiel a mim própria e peremptória na decisão.

Eu - Temos muito gosto em recebê-la para jantar enquanto cá estiver de férias. Acho que o Coiso até pensou num hotelzinho que não é muito longe. E vai enviar-te qual é o comboio que deve de apanhar do aeroporto até aqui. Ainda são quase duas horas. Agora, nem sonhes que vem para aqui ficar. Temos a nossa vida, trabalho, escola e a casa está desenhada para nós. Ponto.

Ela - ...? Então e como é que lhe vou dizer isso? Já viste bem, não é muito normal o filho não a querer em casa dele!

Eu - Olha, o que não é normal é terem feito esse esquema todo e ninguém nos ter querido saber ou achar opinião. O que não é normal é a senhora minha sogra despachar o filho para a casa da Avó durante a vida inteira dele, visitá-lo quando o Rei fazia anos, nunca querer saber das netas ou mesmo de nós e agora de repente, achar que pode vir de férias às nossas custas e estar na maior. Ela que faça o que sempre fez quando vivíamos aí: Ignorem-nos. Esqueçam-nos.

 

Parece-me que não vai ser fácil. E que no final, vou acabar por ter que alojar a senhora. É que o meu coração é demasiado mole. Demasiado. E sei que o dele também não será muito menos.

 

Lembram-se do Fernando Pessa? "E esta, hein?"

13 de Maio

A propósito de hoje ser 13 de Maio, lembrei-me daquela viagem que - forçosamente, todos tivemos que fazer, a Fátima.

Honestamente, já não me recordo bem qual foi bênção que a senhora Sogra pediu a Nossa Sra de Fátima, parece-me que na altura não prestei muita atenção à situação mas foi atendida e a promessa havia de ter que ser cumprida.

 

Já estão a ver tudo, não é? O pagar da promessa envolvia que todos fossemos recambiados para Fátima e pagar a promessa com a Sogra.

Nestas coisas da fé eu não me intrometo e cada um tem as suas crenças, foi fácil convencer-me a juntar-me às cunhadas e genros e, seguir atafulhados numa carrinha alugada, centenas de kms acima e kms abaixo.

 

Não me incomodou que tivesse que comprar velas do nosso tamanho e acendê-las em nome da tal promessa. Ou que tivesse que fazer o percurso em agradecimento, rezando pais nossos e avés marias, isso não me transtornou nada. Agora aquele bocadinho no Santuário... ali, onde as missas se rezam e os senhores Padres elevam os pensamentos de quem lá busca consolo... Foi lá, que as minhas duras penas começaram. Lá, no tal Santuário. Local de oração e meditação, de sossego e introspecção.

 

Lá, onde a minha querida Sogra, faminta - de comida, não de fé, resolveu sacar do tupperware e abrir ali mesmo, sentada nos bancos da missa, a meio da cerimónia e deliciar-se com um belo naco de bifana.

O cheirinho a porco frito misturado com alhos semi crús e mostarda, encafuado num tupperware de plástico na noite anterior, a exalar pela igreja a fora e a traumatizar os narizes fungosos dos crentes que lá rezavam e choravam as suas penas.

 

Valeu a pena algum de nós chamar-lhe a atenção? Claro que não. Afinal, a missa estava ainda no princípio e a senhora já estava em jejum há horas.

O mastigar alto dela servia de base à javardice que para ali ía de migalhas, a cair naqueles banquinhos onde normalmente se colocam os joelhos. E a postura? Bem, a postura fazia lembrar alguém que abanca confortavelmente no sofá a ver a novela e a comer a bela da bifana.

 

Estão a ver aquela parte da missa em que se cumprimentam os demais? Ninguém se virou para ela.

Nem vos consigo descrever o quanto ficou ofendida e as milhentas coisas que resmungou sobre a falta de fé e de caridade dessas pessoas na missa, durante todo o resto do dia.

Ainda tentei fazer uma promessa que se ela adormecesse na viagem eu voltaria a Fátima mas, desta vez, nem Nossa Senhora me valeu.  

[2000] História de um casamento.

[Prometi um post aos 2000 likes na nossa página do Facebook, ao estilo "Histórias de um casamento".

Nunca esperei que fosse necessário cumprir de forma tão rápida, esta promessa. :) Obrigada a todos vós!]

 

Hoje trago-vos uns pormenores catitas da História de um Casamento da minha Sogra. Espera, dois. Hummm, não. São três. Três casamentos.

 

Para quem chegou agora e ainda não teve oportunidade de nos ler desde principio, a minha Sogra é daquelas pessoas que são extremamente católicas, disparando em todas as direcções sempre que se acha no alto do seu juízo, reguladora dos pecados menores ou julgadora dos pecados capitais. Daquelas que têm na ponta da língua o "Deus castiga" e o "Ai Jesus" pronto a sair em tudo o que não lhe cabe no sentido. Nada contra. Cada um vê a vida com as lentes que lhe apraz. Só não me venham com teorias que em nada se coadunam com as práticas.

 

Feito o aparte introdutório, o primeiro capítulo, na íntegra.

Uma vez perguntei-lhe se sempre tinha sido assim tão religiosa ou se era resultado de uma vida cheia de altos e baixos. Sempre foi. Muito. Não sabe o que é a vida sem ser pelas leis e mandamentos de Deus, da Igreja católica e tal e tal. Desde que se lembra. Tem vivido em sintonia com o que a Bíblia diz e acha que é pecado inspirar fundo se Deus não o permitir.

 

É curioso, isto. Principalmente se colocarmos na linha temporal o facto de no seu primeiro casamento, para além de "não ter sido abençoado" pela Igreja, o vestido não era branco e... bem, era um bocadinho largo. Daqueles que são assim... para barrigas de 6 meses, estão a ver?

Não fosse eu uma pessoa do bem, já lhe tinha perguntado se não tinha gerado em pecado e casado em heresia.

Sei que a Sogra dela não era muito boa rés. Sei que era daquelas de confronto brutal e que era mesquinha. E sei-o por um motivo muito simples: como foi a sogra dela que criou o meu Coiso, tenho a sorte de ter duas sogras que não só se acham no direito de competir pelo título como ainda concorrem entre elas. DUAS. Venha o diabo e escolha.

Naquele tempo, há mais de 40 e tal anos atrás, não devia ser nada fácil casar de barriga e seguir dali por diante. Muito menos com uma Sogra à altura, daquelas que não presenciou o casamento e que ainda lhes amargou a vida até conseguir ficar com o netinho só para ela. Mas isso serviu para a minha Sogra aprender alguma coisa ou ser alguém de boas índoles? Pois. Parece que não.

O feitiozinho não é dos melhores e o marido número 1 decidiu uma manhã que saía e não voltava. Não sou ninguém, absolutamente ninguém para atribuir causas ou motivos para o meu Sogro fugir [porque eventualmente foi o que fez], abandonar a família e deixá-la sozinha com 3 crianças muito pequenas. Mas foco o acontecimento pelo motivo que poderia ter sido ponto de aprendizagem para a senhora. Mas ela era pouco dada a aprender. Só a dar lições.

 

Os anos que viveu com um senhor, maritalmente mas como se ele fosse só hóspede, não interessa nada e o que se recusa ser verdade a igreja não vê. Claro. Mas eu não podia casar de branco, recordam-se?

 

Até que um dia chama-nos a todos lá a casa para nos comunicar que decidiu casar. Deus estava há espera que ela cumprisse a sua promessa de casar por Igreja. E casou: vestido branco, véu de 4 metros e grinalda, festa chique, cerimónia no Mosteiro dos Jerónimos e essas coisas todas a que achou que lhe preenchiam as medidas. [Volto a dizer que não tenho nada contra os sonhos de cada um]

O casamento por igreja é para sempre, dizia ela e na altura fez questão que toda a gente rezasse uma missa pela eternidade do seu casamento e lá fomos nós, a mais uma missa para além da cerimónia em si.

Só me lembro da minha moça do meio, na altura com dois anos, cansada e fartinha de estar nos Jerónimos, cheia de calor naquele vestidinho de renda, a fazer pápápápá tititi em altos berros e a querer por tudo deitar-se no véu da noiva. E dos sapatos me apertarem os pés.

Fui madrinha de casamento (nunca vou perceber porquê) e tive que tolerar e engolir uma série de minhoquices que a senhora minha Sogra achou que estava ainda na idade de usufruir, como por exemplo, ajudar a colocar a liga e, depois, de a retirar para o leilão, numa noiva de 60 e tal anos, obesa e muito pouco simpática. Mas fez-se. Tudo em prol do sonho da senhora.

Ainda hoje tenho pena do marido. A forma como o tratava, a frieza, as ordens. Coitado. Tão boa pessoa. É daquelas coisas que não se entende. E giro, o tipo! Se o era com 60s imagino na flor da idade, tipo aos 18. Cabelo esbranquiçado mas com charme, tão a ver?

 

Um dia, ela queria comprar uma casa, ele não quiz. Ela meteu-lhe os patins e mandou-o para as cucuias. Divórcio. Mas continuavam a viver juntos.

- Espera. Então e blá blá blá religião, casamento eterno e tal e tal? Então e pecados e assim? LOL

 

Vai daí a um ano, cai o Carmo e a Trindade: a reforma jeitosa, as casas (a mais), as rendas recebidas, dão-lhe cabo do IRS e do dinheirão que tem a pagar de imposto. Ora, isso não agrada a ninguém. O esperto do contabilista (NOT!) decide-lhe dizer na brincadeira que ela tinha era que arranjar um marido...

... e a Sogra decide pedir o "ex-marido - actual - qualquer coisa - que dorme com ela", em casamento! E lá recomeçou tudo de novo. A festa por organizar, a cerimónia por fazer, a choradeira porque já não podia ser por Igreja, a tentativa de anulamento do segundo casamento para evitar ter um divórcio anotado da certidão, o vestido que já não era com véu mas tinha que ter chapéu e penas e...

 

Eu já não tive paciência. Fiz questão de dizer que não me incluíssem na palhaçada e que tinha mais onde ocupar o meu precioso tempo.

Não fui eu nem foram as minhas moças. O Coiso decidiu ir, não sei bem porquê, mas parece-me que tinha qualquer coisa a ver com alguém acompanhar a senhora. E com haver rissóis e croquetes na festa.

Vi a saber depois por ele que o pobre do noivo (segunda vez) foi obrigado a pintar o cabelo de preto, a colocar uma placa dentária nova e a usar uma cinta (!!!) para a barriga, só para que a senhora não tivesse vergonha dele.

Era comigo, era...

 

Desde esta última vez, ainda estão casados, vai para uns 5 ou 6 anos. Mas parece-me que a coisa não está lá muito vincada. Afinal de contas, ele agora já recebe reforma e isso atrapalha-lhe a contabilidade. Já ouvi zum-zuns de que se ele não concordar ali com umas novas vendas e aquisições, que lhe põe as malas à porta.

 

A melhor de todas foi no domingo passado eu ouvir a senhora dizer ao meu Coiso: "Filho, baptiza as tuas meninas, mesmo que às escondidas da tua mulher! Olha que é pecado não estarem baptizadas!"

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