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à nora com a sogra

Um blog sobre histórias de família em geral e mães de maridos em particular. Ou um registo terapêutico de episódios reais que mais parecem ficção.

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Outras realidades

Diz o provérbio que "Quem conta um conto, acrescenta um ponto".

Mas hoje vamos lá fugir à regra, ser a excepção e contar as coisas como elas são.

No meio de tantas sogrices da minha Sogra, na verdade, tenho muitas mais realidades em que me vi envolvida com outras sogras de pessoas muito próximas de mim. Esta que vos trago hoje, é uma daquelas que - parecendo filme, não o foi. Porque falo nesta sogra que não a minha? Porque inacreditavelmente, quando procurei a minha sogra num pedido de ajuda para esta situação, obtive uma daquelas respostas fenomenais, características de alguém com um parafuso a menos. Ora, digam-me lá voces de vossa justiça.

 

Uma das minhas pessoas mais próximas na família estava casada há pouco mais de dois anos com alguém que todos nós associavamos a um marido porreiro, educado, trabalhador, etc, etc. Mas eu olhava para ela e, conhecendo-a do berço, aquele olhar não era de uma mulher feliz, nem pouco mais ou menos, de uma mulher que se sentisse realizada no seu casamento. Um dia, porque me achei no direito e puxando dos galões da nossa irmandade, fui directa ao assunto. E aquela mulher determinada que eu vi crescer desfez-se em mil e um bocadinho, em lágrimas e choro, soluços e mãos trémulas.

Encurtando a história e porque ela se arrastou (ainda) por alguns anos, não obstante o marido não ser nada do que as aparências mostravam, a sogra, não facilitou em nada. Para quem tem achado que eu ou a Criatura temos sogras do outro mundo ainda não ouviram falar nesta sogra.

 

Assim num resumo muito pequeno, o marido bebia. E bebia muito. Rapaz novo, casados recentemente, ela um mulherão lindo, trabalhadora, amiga e excelente mãe, não lhe chegava. A companhia da bebida, todos os dias, a qualquer hora da noite - primeiro - e mais tarde a qualquer hora do dia, passou a ser a sina dela, numa casa inquieta, num serão de expectativas e angústias por tudo e por nada: ora que chegava a casa podre de bêbado e caía que nem pedra no sofá e tudo muito bem, ora que chegava e fazia cenas de ciúme, de birras, de gritos, de implicância, acordava o filho, jogava tudo ao chão, enfim. Cenas típicas que todos conhecemos, se não por experiência, por vermos noutras experiências.

E o dia a dia foi-se deteriorando. Cada vez mais. Ela não dormia, não comia, não vivia. Sobrevivia. E pelo meio criava um filho, dava conta de uma casa, trabalhava o dia todo e amparava os choros de um filho que tinha medo do pai. Escondia. O mais que podia. Disfarçava sorrisos e mascarava as bebedeiras do marido em eventos de família. Nunca ninguém notou - ou fez que notou.

Um dia achou que não podia esconder mais. Ligou para a sogra e pediu ajuda. Como mãe, que falasse com o filho que lhe tentasse chegar ao coração, por ela, estava disposta a recomeçar o casamento com a promessa de que tudo ainda podia ser bom. E é aqui que começa o surreal.

 

A sogra achou-lhe maléfica. Que era mentira. Das mentiras mais cabeludas que alguma vez ouviu. Que ela não sabia o que dizia. O seu querido filho, tão trabalhador, tão honesto, tão bom pai. Imaginam o choque dela, de certo.

Deixou de lhe mascarar as bebedeiras. Deixou de dar desculpas e de cada vez que lhe ligavam aos domingos a saber o porquê do atraso deles para o almoço, deixou de inventar motivos e de ser franca "porque o seu filho chegou às dez da manhã podre de bêbado e agora não o consigo acordar". Mas era mentira, estão a ver? Ela não queria era ir e inventava razões. Pois. E se lhe respondesse "venha cá a casa ver por si", desligava-lhe o telefone.

 

Um dia recebeu uma notificação para ir se apresentar na Polícia. Mas não porque das n vezes que o marido conduziu alcoolizado tivesse corrido mal. Mas porque a sogra apresentou queixa de difamação. Reuniu testemunhas que nunca viram nada, amigas da onça (a sogra, portanto) e foi ao pormenor de afirmar que a nora o envenenava. A Polícia chamou-a para se defender. Por ser em terra pequena, até os agentes já conheciam o rapaz e sabiam perfeitamente o que ali se passava mas os trâmites legais são para se cumprir e a rapariga foi responder ao inquérito.

 

Enquanto a sogra lhe fazia a vida negra, eu resolvi pedir ajuda à minha sogra. Amigas de longa data (as sogras), pedi-lhe que contasse o que se tinha passado no aniversário do meu Coiso, o que se tinha passado na sua casa, o que ela já tinha assistido e tentasse conversar com a senhora, para ajudar a nora e o neto a ultrapassar aquela situação. Fui corrida.

Já estava devidamente envenenada e afinal de contas, a culpa era toda da nora. Ela é que não era boa esposa nem boa mãe e não lhe dava o que ele queria (na cama, entenda-se). E muita sorte tinha ela, ser só bebida! E esperem lá, ela já tinha inclusive dito na polícia, como testemunha da outra sogra que a rapariga nem lhe passava já a roupa a ferro e que volta e meia roubava-lhe as chaves do carro ou não dava autorização que o pai fosse buscar o menino ao infantário.

Disse-lhe que era porque estava bêbado. Resposta dela? Mentira! Ela envenenava-o!

Nesse dia tive a certeza que existe algures no planeta (quiçá no universo), um Clube de Sogras Víboras.

 

Sem acrescentar um ponto mas reduzindo a narrativa: um dia ela fartou-se. Ligou-me, ligou ao irmão e em menos de duas horas tirou as suas coisas de casa: as memórias boas, as más, alguns brinquedos, as roupas do menino e dela e pouco mais. Mas trouxe com ela a dignidade e a certeza de que merecia muito melhor do que aquilo. Despojada da sua casa, de tudo o que construíu, preenchida de muitas incertezas mas com uma certeza muito vincada: paz.

Voltou para casa dos pais, aos 32 anos e um filho entretanto já com 4. Num quarto improvisado, numa cama pequena onde todo o seu mundo coube: ela, o filho e um futuro muito mais tranquilo. E era o que bastava.

 

As sogras? Ah, essas, tadinhas... encontraram-se para tomar chá e accionar a má língua mas não tiveram muita sorte. Um telefonema da Polícia interrompeu-lhes o fel e a senhora lá teve que ir tirar o filho da cadeia, onde estava a "moer" a bebedeira, não sem antes partir meio bar. 

A culpa continuou a ser da rapariga.

Mas a sogra deve de ter uma vida muito mais agitada hoje em dia. Se considerarmos que tem um filho alcóolico a viver com ela, que lhe tira o sono e a tranquilidade de um serão de novelas, acredito que deve ter uma vida muito agitada.

Mas o menino não tem qualquer problema. Está só a afogar as mágoas de um divórcio. Há mais de 3 anos. 

Pérolas no Oceano

Há muitos, muitos - mesmo muitos! - anos atrás, nós ainda dávamos muita trela [quero lá saber da conotação] à minha Sogra. Tanta que, como o meu Coiso faz questão de me relembrar muitas vezes, era inclusive impulsionada por mim, na tentativa de sermos uma família unida e de eu - egoista -, sentir um pouco que tinha uma segunda mãe ao pé de mim, já que a minha mãe vivia do outro lado do país. Eu ainda não sabia lá muito bem o que a casa gastava e na verdade - como também o Coiso está sempre a dizer - fechava os olhos a muita coisa, sabe-se lá porque diabos.

 

Assim, numa das suas negociatas de sucesso [nenhum], comprou uns time sharings de férias e logo no primeiro, decidiu convidar os filhos para irmos todos, 15 dias para Tenerife, às custas dela. Fez-se almoço de família, combinaram-se datas, alinhavou-se o plano, escolheu-se a vila de apartamentos que iríamos partilhar e as tarefas burocráticas que eram necessárias fazer. Tudo muito giro.

Eu, grávida da segunda, com 6 meses, uma de palmo e meio pela mão, estava realmente contente com a escapatória e a promessa de umas férias em Agosto numa ilha paradisíaca. Tirando o facto de ter que ter pago a minha parte (só pagou os filhos dela e o genro) e dos meus pais terem oferecido as despesas da minha de palmo e meio, recordo-me dessas férias com alguma dose de humor. É que naquela de ela se fazer tantas vezes de tótó, acabou por ser mesmo cómica e em algumas situações, só se envergonhou a ela própria. A nós, deu-nos uma barrigada de riso.

 

Na noite anterior a partirmos, fomos a casa da Sogra levar umas coisas que a cunhada tinha pedido e eu reparo na mala aberta da Sogra, cheia de comida. Latas e latinhas, arroz, massa, bolachas, leites...

Óbvio que lhe fiz a pergunta. Para que raio levava ela aquela tralha toda?

Porque íamos para uma ilha. E ela não sabia se lá havia onde comprar. E como íamos para um aparthotel e tinhamos que cozinhar as próprias refeições...

Adiantou eu responder que havia um grande "Continente" lá? Não. Claro que não. As coisas podiam ser demasiado caras.

Resultado? Hilárico: no aeroporto de Lisboa, as duas malas que levava pesavam mais de 45 kg cada uma, pagou 50 contos para as embarcar (cerca de 250 euros); No aeroporto em Tenerife, esteve duas horas no gabinete da Alfandega a tentar destruir a teoria dos guardas de que a Sogra estava a fazer contrabando.

 

Melhores resultados? Claro!

Chegados ao apartamento, uma das malas pingava. Em pleno Agosto, a senhora achava que um voo Lisboa - Madrid - Tenerife (seis horas) podia muito bem levar congelados na mala, ainda que dentro de embalagens térmicas. Peixe, rissóis, croquetes, costoletas e até salsa e cebola picada. Tudo em água. E sabem que mais estava em água? A farinha e o açúcar, companheiras de viagem dos congelados.

 

Deixem-me falar-vos da mala da roupa. Sim, da roupa. Aquela que tinha fruta e legumes também, entretanto macerados do calor e remexidos pelos guardas, já no meio das tshirts e afins. Tinha pêras, bananas, morangos, laranjas, alface, tomate, batatas, cebolas... Mas não tinha as cuecas, um fato de banho e pior... Não tinha pijamas. (Não esquecer que partilhámos um apartamento)

 

O meu Coiso alugou um carro, pago por nós, para podermos tirar o melhor partido possível das férias. Pequeno, lá está, já que mais ninguém queria sair do aldeamento. Éramos só nós os dois mais uma de palmo e meio... e foi a sorte. Tivemos que levar a Sogra ao tal "Continente" da ilha para poder comprar comida, algumas cuecas, um fato de banho e fiz questão de lhe oferecer uma camisa de dormir. Fora de questão ver a senhora de cuecas todas as noites/manhãs.

O facto de a cena lhe ter custado caro, limpou-lhe o dinheiro que tinha disponível e acabámos por ser nós a pagar o supermercado mas isso não me incomodou nada: comprei o que quis, cozinhei o que me apeteceu e ainda pude dizer às cunhadas, volta e meia, "mas se não gostas destes cereais, dá um salto ao mercado e compra outros", de consciência tranquila.

 

A meio das férias lembrou-se que queria ir passear fora do aldeamento. Eu estava indisposta com as temperaturas de 40 graus, 6 meses de gravidez e uma crise de tensão baixa. Sempre vomitei imenso na gravidez e aquele dia em específico, estava no auge da coisa. Vai daí que, a Sogra vendo a minha recusa em sair e a recusa do filho em me deixar sozinha (as cunhadas na piscina, com a minha moça), decide que é mulher suficiente para apanhar o autocarro da vila e ir passear sozinha. Tranquila, da minha parte, só lhe pedi que levasse um cartão do aparthotel com o número de telefone de lá, não fosse a coisa dar para o torto. (Quais telemóveis? Foi há muitooooosss anos...) Ficou tão ofendida que mais depressa se meteu a caminho.

 

Fomos buscá-la às 10 da noite a um outro aldeamento, no outro lado da vila. Estava perdida, não falava espanhol, não se lembrava do nome do aldeamento e valeu-lhe um outro português trabalhador lá que a assistiu a chorar no meio da rua e por conhecer minimamente a ilha, deduziu onde estavamos, ligou para a recepção e pediu para ligar ao número do apartamento onde estávamos.

 

E aquela tarde na piscina do aldeamento, em que se deixou dormir nas cadeiras e ressonava mais alto que o barulho das crianças todas? Impagável. Quando a filha, envergonhada, a foi acordar, irritada porque lhe disse que ela parecia um macaco, levantou-se da cadeira e começou a imitar um gorila, a fazer sons e a rir à maluca. Só ela é que não percebeu que se envergonhou a ela própria.

 

Como digo... foram umas férias para rir.

O surreal em directo

No Domingo de Páscoa tive um daqueles momentos surreais, que julgas que acontece em telenovelas rascas e de argumentação duvidosa ou em filmes de guião barato.

Quem estava online na nossa página do Facebook, apercebeu-se em directo, ao vivo e a cores, a vontade que eu tinha de saltar do sofá e de esganar - ainda que de forma não literal - a senhora minha Sogra. E que se entenda bem, muito bem, porque optei por abrir um estado na página, a falar do assunto, no facebook: é que enquanto o fiz, segurei a minha impaciência, o ímpeto de saltar do sofá e perder toda a minha razão gritando à Sogra "as poucas e boas" que me apetecia, com alguns impropérios pelo meio, que eu também não sou feita de ferro e muito menos, parente de algum anjo.

Valeu-me ter o telefone à mão, comentar no face e ir respondendo às perguntas amiúde. Evitei com isso um tempestade repleta de palavras feias, que teria balbuciado em frente das 3 crianças, que partilhavam a sala comigo. (De acrescentar que as 3 crianças estavam a ouvir a conversa do skype e que as mais velhas estavam tão incrédulas como eu).

 

Disse-vos que teria que escrever aqui esta história para poder exorcizar a minha mente. Mas também precisei de uns dias de silêncio para poder digerir bem a situação e dar espaço ao meu Coiso que fizesse o mesmo e que tomasse as decisões dele, que afinal de contas, acaba por ser o filho e neste caso, desculpem-me a expressão e devida conotação, o filho da mãe. [É só expressão, que o homem é um santo!]

 

Começamos pelo principio e porque para se entender bem a dimensão da coisa, há alguns pontos no tempo que são essenciais.

 

A minha Sogra não teve uma vida fácil. Se calhar, todos nós podemos dizer o mesmo das nossas sogras, mães, tios e afins, da geração anterior à nossa, a geração antes do 25 de Abril. Mas a dela foi particularmente difícil e dou-lhe muito crédito e respeito muito os sacrifícios que fez e a educação que deles resultou aos filhos. Mas isso deveria ter-lhe servido de aprendizagem e não de burrice.

A fome que passou, o meio bocado de pão que partilhou com os filhos abandonados pelo pai, não sendo equitativo para ela, deveria ter-lhe dado ferramentas para aprender a ter uma vida comedida e precaver o futuro. Mas não. Gerou o oposto: conforme a vida foi prosperando, foi gastando, gastando e entrou na espiral das compras facilitadas pelo crédito e sempre que um terminava, o valor libertado dessa prestação tinha uma legenda automática de "onde posso gastar este, o que compro a seguir", não dando espaço para uma poupança, uma antever, uma protecção. Para ela, entenda-se, que os filhos fizeram-se à vida e tornaram-se autónomos muito, muito cedo.

 

Não ajudou nem patrocinou nenhum dos filhos nos estudos. Mesmo sendo professora, tendo acesso a livros mais em conta, não comprou um único livro. Não contribuiu com um tostão para a formação universitária dos filhos. Qualquer um deles.

Em vez disso, na altura em que o meu Coiso estava a meio do curso dele (na altura, o dele durava 6 anos), resolveu comprar uma casa enorme e estaria tudo muito bem, se não tivesse usado os cheques do meu marido - que trabalhava para pagar o curso -, como forma de entregar ao construtor o sinal para o contrato de compra-venda. E estaria tudo ainda melhor se, mês após mês, esses cheques não viessem devolvidos, assegurados depois por um ordenado pequeno que tinha outras intenções e que ela não achava que devesse repôr com a mesma rapidez com que os cheques saíam. Ao terceiro cheque devolvido, o banco cancelou todos os direitos do meu Coiso e levantou uma proibição no Banco de Portugal, com duração mínima de 5 anos. Não importa nada que fossem cheques que a mãe tivesse pedido. Estavam em nome dele. Assinado por ele. Eventualmente ela lá deu a volta a uma das filhas e fez novo acordo com o construtor, o banco dela acabou por libertar o empréstimo e ela comprou a casa.

À conta disso, foram os meus pais que ajudaram o meu marido (na altura, ainda nem era meu marido), a repor os valores dos cheques sem cobertura, a dar-lhe um apoio nas multas que o banco lhe aplicou e a escrever uma carta de referência ao banco - para quem já não se lembra, nesses anos, cheques sem cobertura constituía crime grave e dava cadeia. Principalmente porque falamos de cheques de 100 mil escudos cada (Cerca de 500 euros, que valiam muito mais do que valem agora 500 euros). Comprou a casa e seguiu na vidinha dela. Um "oh pá, filho, desculpa lá. Fiz mal as minhas contas" foi tudo o que o meu Coiso ouviu na altura.

 

Entretanto nós casámos, óbviamente sem qualquer contributo da parte da mãe do noivo, o que também não me incomodou. Muito das despesas pagámos nós e os meus pais ofereceram-nos muito, muito mais. Eu tinha "um sonho" e os meus pais fizeram gosto em realizá-lo.

Claro que ela não estava feliz com o enlace mas também fez questão de dizer que não tinha dinheiro. Dois meses depois de casarmos, comprou uma segunda casa com um único objectivo: alugar para render. Com empréstimo bancário, claro está.

Nada a haver conosco, desde que não nos fosse ao bolso.

Mas foi. E por idiotice, burrice minha/nossa. Havia uma conta em que o meu marido era primeiro titular e ela segundo titular. Daquelas contas do Montepio Geral dos jovens. Era moda na nossa adolescência. E tudo estava bem, havia lá um dinheirinho de parte e era para lá ficar. Até ao dia em que pensámos em utilizar esse dinheiro e não estava lá nada. Serviu de entrada para a tal segunda casa. Águas passadas não movem moinhos e eu não me alongo a contar os tentáculos desta história, que só aqui está para perceberem bem a raíz da cena de Domingo de Páscoa. [Neste capítulo de usufruir de dinheiro que não era dela... temos um livro inteiro]

As minhas moças mais velhas eram bebés e a empresa para a qual eu trabalhava faliu. Dia complicado, esse. Eu tinha uma equipa a trabalhar para mim, informei 18 pessoas do despedimento e às 18 horas o meu director informa-me a mim que eu também ía. Recebi na altura o equivalente a 12 mil euros de indemnização. No dia em que a Sogra soube que eu iria sair da empresa, pediu 6 mil euros ao meu marido, porque ía perder a casa por falta de pagamento. Eu sou muito burra, na altura disse que sim. O plano era ela devolver 500 euros por mês, valor avançado por ela.

Quando o subsidio de desemprego tardou a chegar e lhe dissemos que precisavamos que ela começasse a devolver os tais 500 euros, a resposta foi "mas eu não posso! Se vos DER esse dinheiro, como pago as contas?" - Surreal.

 

Entretanto temos o segundo casamento da Sogra que, fazendo uma festa digna de uma "Tia", vende as duas casas e compra outra mais pequena. Entretanto, o Estado paga-lhe uma cena qualquer que estava em atraso e, porque esteve uns aninhos à espera desse tutu e já lhe estava a fazer comichão, decide comprar uma vivenda de luxo no Algarve, em condomínio privado, com piscina própria. Mas esse dinheiro foi só para o sinal, o belo do empréstimo bancário, teve que existir.

Na altura, há 9 anos atrás, todos os filhos deram a sua opinião de que era demasiado por uma casa, que ela não precisava daquilo, que a prestação mensal era exorbitante, a idade dela e tal e tal e tal. A resposta dela foi peremptória "o dinheiro é meu, ninguém tem nada a haver com isso". Certo. Certíssimo.

O marido estava contra a compra. Inteligente mas MUITO submisso, sabia que o facto de terem 3 casas, todas com empréstimos (ainda que duas arrendadas a terceiros), era já confusão em demasia e não aceitou comprar. Ela não esteve para meias medidas: pediu o divórcio, assinou papéis, entregou, pagou, e no mesmo dia em que recebeu o certificado de que estava divorciada, assinou os papéis da compra da casa. Certo. Nada a haver com isso.

 

Agora, 9 anos depois, reformada da função pública, com rendimento acima da média pelo trabalho duro - é verdade - pelo facto também de ter sido professora no Ultramar [e podia ter-lhe servido para tanta aprendizagem!], o Estado aplica-lhe os cortes que todos sabemos e o ordenado não dá para todos os empréstimos e porcarias de créditos de Cofidis e cenas que foi fazendo ao longo dos anos. Um dos empréstimos já está em penhora, a vida continua a ser vivida como se nada fosse e agora decidiu que vai vender a casa mais pequena (cerca de 400 eur mensais de despesa) para ficar mais folgada. E a vivenda? A vivenda com piscina, 1200 euros de renda ao banco, 100 de condomínio, mensais, IMI inacreditável...?

 

Ora, bem vindos ao meu Domingo de Páscoa.

A meio da tarde, "toca" o Skype [lembram-se? Não vivemos no mesmo Continente - Graças a Deus, há mais de um ano].

- É a minha Mãe - diz o meu Coiso.

- Então atende. É Páscoa, dá lá um gostinho à senhora. - A eterna ingénua, responde [eu]

- Não me apetece. - E o Coiso dá meia volta, retorna à sala e deixa o pc a fazer barulho.

À quarta tentativa da Sogra eu insisti que ele atendesse, não fosse querer desejar boa Páscoa também às netas.

 

"Boa Páscoa, filho" foi de facto a primeira coisa que ela disse. E logo de seguida arrancou com um "Estive a falar com os meus filhos todos e só faltas tu: quero mudar a minha vida e vender a casa de Lisboa e esta do Algarve fica para os meus filhos quando morrer".

Até aqui eu ainda estava de olhos no livro que estava a ler. Nada de mais.

 

Abreviando a conversa e colocando por tópicos, a última dela é assim:

 

- Eu já paguei a casa do Algarve durante nooooovvvveeee anos! Agora é a vossa vez. Porque eu morro não tarda e VOCES é que ficam a gozar a casa. VOCES é que têm que a pagar.

- Fazem um seguro de Vida para mim, que pague a totalidade do empréstimo caso eu morra. Já tenho aqui os papéis e dá 300 euros a cada um. [Hipertensa, diabética, condições cardíacas, obesa, 66 anos... dá para imaginar, certo?]

- Ainda faltam 15 anos do empréstimo e eu não posso continuar a pagar mais de mil euros ao banco todos os meses. Agora é vossa obrigação e quando eu morrer, podem ficar com a casa

- Já fui ao Banco saber e eles dizem que eu posso fazer a obrigação para vosso nome. Tenho aqui os papéis para assinares. E quando morrer, já ficam com a casa.

 

Conforme as frases íam sendo proferidas, eu ía saltando do sofá. E deitando fumo. E tendo ataques de raiva. E coisas assim.

Aquela pessoa que nunca esteve do nosso lado, que nunca ajudou o filho ou as netas, que nunca quis saber se estamos bem ou mal, que nem sequer quis ouvir a opinião do filho na compra da casa, estava ali a dizer aquelas coisas. Com convicção e noção de que estava a ser justa.

 

O meu marido esteve bem. Muito bem. Respondeu à altura, na sua infinita paciência e tom de voz calmo e ainda lhe deu umas quantas lições de vida. Acabou por perguntar o óbvio:

"Mas mãe, não fizeste seguros de vida quando fizeste os empréstimos?"

- Não! Eles são uns ladrões e os seguros ficavam caros, encareciam muito a prestação.

Nem ele nem eu estávamos preparados para ouvir a resposta seguinte:

- Sabes que mais, filho? Eu nem quero saber se pagam ou não. Eu entretanto morro e quando fechar os olhos já nem tenho que me preocupar com as dívidas, são os meus herdeiros que têm que as pagar. As das casas e as dos outros créditos.

 

Isto é surreal.

 

E no fundo, só tenho mesmo muita pena e sofro com o que vai no coração do meu Coiso. Ele diz que nada, que já não o afecta. Mas, até que ponto será mesmo assim?

 

A última palavra foi do meu marido. Da nossa parte, não conta com dinheiro nenhum, nem assinaturas nenhumas. Depois dessa afirmação, a chamada foi muito curta, estava com pressa, a senhora.

Não pediu para falar com as netas, nem perguntou por elas.

 

Assombra-me a ideia das dívidas que a senhora tem e que eu sei que são imensas [ainda lhe fiz muitos IRS e geri as contas mensais uns tempos], passarem um dia para os herdeiros. Os filhos, portanto. Nem sei se o [actual] marido dela herdará alguma coisa. Mas a ideia de que um dia esse problema baterá à nossa porta, tira-me o sossego. Oh se tira.

Já que falamos em vestidos

Na nossa página do Facebook (aqui), a Criatura prometeu para muito breve uma história sobre "o vestido". Ora, como isto de se ser gente num mundo cheio de vida para além do ecrã (ainda para mais com criaturinhas) ocupa muito tempo, temos que colocar a curiosidade em espera e aguentar pacientemente...

Ou talvez não. ;)

Ando aqui a dar voltas a tentar (também) descobrir-lhe a história do vestido mas entretanto, fui-me lembrando de umas quantas histórias de vestidos, com a minha Sogra.

 

Já que falamos em vestidos, aqui vão duas ou três linhas, das minhas.

 

Como vos contei no ínicio, a minha querida Sogra amou o meu casamento e fez questão de levar um vestido apropriado ao que sentía. Mas houve outras ocasiões em que o tema "vestidos" fez chocar a nossa opinião e - ainda jovem educadinha - eu calava e acatava a situação. Fechava os olhos. Ou então, espera, abria os olhos em tom de "não acredito no que vejo" e coisas do género.

 

A senhora minha Sogra casou 3 vezes. Nada contra (ou a favor)... mas já fui presença no segundo e terceiro [ou quase, história para os 2000 fans?] e do primeiro nasceu o meu Coiso. Vamos por parte, que vos conto por etapas.

Quem já nos acompanha há mais tempo, recorda-se o quanto a Sogra é Católica, devota e totalmente fechada na noção de religião dela. Mas o curioso é que quando as coisas são com ela, "a igreja fecha os olhos". E vai daí, no meu casamento, houve uma parte curiosa em que a sogra conseguiu apanhar-me em conversa com a minha mãe e sem sequer esperar que terminássemos, tocou-lhe no ombro e proferiu a sua indignação.

- Ó Comadre, como é que permitiu que a sua filha casasse de vestido branco? Ela já não é virgem, sabia? Que eu sei que o meu filho dorme lá na casa dela! [Considerando que vivemos um ano juntos antes de casar, não era de todo inesperado] É pecado contra a moral!"

Isto, pergunta de uma mulher que também casou de branco, no Civil (ui, então não era Católica devota??) e "de barriga" em plenos anos 70...

A minha mãe é uma "Lady" e com um sorriso [manhoso, diria eu] respondeu qualquer coisa como "isso agora já não tem a importância que tinha no nosso tempo". Claro que longe de saber a história da minha sogra, mas foi bem respondido.

 

Uns anos depois, e estando já a viver ela mesma com um senhor há algum tempo (aliás! Quando eu casei, já vivia com esse senhor mas fez questão que o mesmo não fosse ao casamento por causa da ex-sogra dela lá estar e ainda o ex-marido (pai do meu Coiso).), decidiu casar. Atenção que não tenho nada contra os sonhos de ninguém e sou apologista que todos devemos fazer o máximo para os concretizar... e eis que decidiu casar por igreja, com véu e grinalda (já vos contei, não foi?) e de vestido bem branquinho.

Então e... duas filhas e duas netas como damas de honor... um filho e uma nora como padrinhos... uma neta como "menina das alianças"... um noivo com quem vivia há mais de 5 anos... e já não é pecado? Dois pesos, duas medidas. Aliás - medidas não era o seu forte, a julgar pelas mamocas a saltar do decote do vestido e da cintura a querer desapertar a qualquer momento. (Eu sei que estou a ser má língua)

Nesse mesmo casamento, o código de vestimenta era de Traje a Rigor. E eu era madrinha da noiva [até hoje não sei porquê]... escolhi um vestido dentro das cores que a senhora pretendia e, muito honestamente, dentro de uma gama que pudesse levar a todos os outros casamentos (4!) que tinha nos dois meses seguintes, que a vida não dava para andar a gastar nessas coisas. Foi uma tourada. Porque achava muito mal o vestido ser "simples" e que tinha que ser de griffe. Houve um dia que me saltou a tampa e que lhe respondi que sim senhora, usava o vestido que ela quissesse escolher para mim, desde que o pagasse. Claro que não o pretendia fazer. Levei o vestido que quis.

Depois, o vestido das minhas moças... que tinha que ser branco, igual ao da noiva, e o da mais velha, menina das alianças, tinha ser rócócó e folhos e sei lá. E lá entra a questão do montão de dinheiro que se gasta nesses vestidos... e que eu não podia simplesmente pagar. Mas se fazia tanta questão, dividíamos o valor ao meio.

- Nem pensar. Já tenho muitos gastos com o casamento! Porque não pedes emprestado à tua mãe ou não pagas às prestações? [Isto é normal??]

Calhou um dia em conversa, a Avó do meu marido (ex-sogra da minha sogra), falar no assunto dos vestidos das moças e, porque uma das netas dela ia casar e queriam que a moça mais velha levasse as alianças, eu mencionar a história dos vestido caros que a minha sogra queria que comprasse. A Avó fez logo questão de dizer que os comprava, desde que os pudesse usar no casamento da outra neta. A mim não me fazia diferença nenhuma, até me tirava uma preocupação de cima e aceitámos. Eu fiz questão de esclarecer a toda a gente que tinha sido oferta da Avó (Bisavó das minhas moças, portanto), para não haver grandes confusões.

E foi numa dessas conversas com outros convidados do casamento da minha Sogra que fiquei a saber que os vestidos das outras meninas que acompanharam ao altar (netas de amigas da sogra, que levaram as pétalas de rosa, o final do véu e tal e tal), tinham sido ofertas da Sogra. Assim. Sem mais nada.

Seis meninas e um menino, trajados a rigor, pagos pela  minha Sogra.

 

Não me espantou muito. Aliás... até já era de esperar. Afinal de contas, se fosse diferente, não era a minha Sogra. Era um embuste qualquer.

O meu luxo

No que toca a Sogras, feitios, atitudes, respostas e comportamentos, na minha opinião, nunca há conselhos que sejam suficientes ou adequados, de forma generalizada. Como eu reajo, como respondo, como me revejo nesta relação, acaba por se adequar a mim, à minha forma de estar e ser, quando muito, partilhada com a postura que o meu marido tem.

 

O meu marido distanciou-se bastante da mãe, ainda novo, por força de circunstâncias das quais não teve dizer ou querer. Isso ajuda um pouco na forma de olhar para as atitudes da mãe e na forma de entender as minhas próprias reacções. Mas na verdade, a mim não me faz sentido nenhum viver assim, com meia família tão chegada e outra meia família tão afastada.

 

Mas como em muita coisa na vida, que não depende só de nós... neste assunto acabo por pouco ter a dizer ou até mesmo de querer, na realidade.

 

Eu fui educada numa familia grande, unida, cheia de pessoas que realmente gostam de estar juntas, que estão lá uns para os outros. E era isso que eu achava - na minha inocência - que existia em todas as casas. Devia ter uns 10 anos quando me apercebi que não era assim tão simples e que nem todas as família tinham a sorte de estarem juntas. Mas a funcionalidade da minha família continuava-me a ser preciosa e a querer perpetuar essa forma de viver, quando tivesse a minha própria família. Queremos todos, certo?

 

E é isso que no fundo custa-me. Dos meus avós paternos nunca tive a felicidade de conhecer, partiram antes de eu nascer. Mas tinha 14 tios e tias paternas que faziam um pouco de avôs e avós. Mas conheci os maternos e amava-os com muita sinceridade. Passava largas férias com eles e os meus irmãos sempre vinham passar alguns momentos comigo, mais os meus sobrinhos (vantagens de ser a mais pequena de uma familia grande). As reuniões de família eram cheias de gente boa e na verdade, a noção de família cultivou-se em mim com essa imagem: uma enorme quantidade de pessoas que nos amam, a rodear-nos.

 

A vida levou-me para longe da família, mas ao criar a minha própria família, e estando na mesma cidade, no mesmo bairro que a família do meu marido, dava-me um certo conforto mental e sempre achei que na falta da minha metade, as minhas filhas teriam sempre a família do pai por perto. Mas não tiveram. Nem têm.

 

A minha sogra nunca foi de ter grande paciência para ter as netas com ela. Eram moças sossegadas mas que gostavam de actividades que envolvessem criar, fazer, modelar, pintar, colar, enfim. Nunca quiseram jogos, nunca tiveram playstations e tretas dessas mas carregavam as suas mochilas com lápis, canetas, folhas, livros, tesouras, colas e afins. E como qualquer outra criança, só queriam alguém por perto para ajudar no processo criativo, na companhia. Isso dá trabalho, requer atenção. E a Sogra não tem paciência. Quer mesmo é que elas se colem à TV e pronto. Mas como com as minhas isso não é forma de estar, elas não queriam ir para a avó; a avó não as queria lá.

Isto, claro, já elas tinhas mais de 4 anos. Antes disso, nunca ficaram com a avó 10 minutos que fosse, sem um de nós. O mais curioso? É que a Sogra é professora primária. E então, a desculpa é que já atura muitos meninos, não tem já grande vontade de ainda fazer actividades com as netas.

Também não subia a rua para ir ver as netas. Mas fazia todos os fins de semana, 100 km para ir ver a neta, do lado da filha.

Também não telefonava para lhes dar uma palavrinha. Mas liga todas as semanas para os primos em Angola.

Por mais incrível que pareça, as minhas moças têm uma ligação especial com a minha família, a 300km de nós, na altura. Amavam ficar com eles, identificam-se, e estavam muito mais com eles do que com esta avó, que morava já ali.  

 

As moças foram crescendo. Hoje são adolescentes, uma já segue para o ano para a Universidade. E é uma pena que não saiba o que é ter duas avós, dois avôs. Ou 6, se fizer bem as contas, já que ambos os meus sogros já ataram e desataram umas quantas vezes e elas já conheceram avôs a mais. Mas parece que nenhum deles quis partilhar muito das suas presenças. E elas ressentem-se.

 

Por mais que ache porreiro ter esta capacidade de me distanciar, de perdoar as suas atitudes e até esquecer as mil e uma coisas que já tentou para me separar do meu marido, é a falta de avó de jeito para as minhas moças que me incomoda. Porque vendo a coisa a frio, do que tem ela medo, para agir assim? É só maldade? É ruindade? É ciúme?

O que esperam as sogras que são assim? Que os filhos vivam debaixo das saias delas e que sejam castos e solitários, respondam "sim, mãezinha" e abanem a cauda como cachorrinhos? É para isso que os educam, que os querem diplomados e independentes? Não entendo.

 

Uma vez disse-lhe: "D.Sogra, não estou a retirar-lhe protagonismo nem pretendo substituí-la. Sou mulher do seu filho, não mãe, pretendo respeitá-lo sempre e gostaria também de respeitá-la. Mas para isso, preciso que também me respeite." Para variar, não me deu resposta, encolheu os ombros, rebolou os olhos e virou costas. Mas eu disse o que precisava. Meio encolhida, pernas bambas e de voz trémula, à beira da lágrima. Mas disse. Que raio de medo é este, de tal pessoa? Será que é dela ou do que representa a sua força nos nossos maridos?

 

Ouvi-a dizer uma vez que o meu marido não durava muito ia à procura de comida fora de casa. Fiquei tão parva que nem respondi. Nessa noite, disse ao meu marido. Resposta dele? "Tu é que insistes que as meninas precisam de conviver com a avó. Eu, por mim, não vejo vantagem nenhuma".

Mas isto, como vos digo, é o meu caso. O caso de um filho que cedo aprendeu a lidar com as acções de uma mãe "não muito certa". Mas compreendo que nem todas podemos agir da mesma forma. Como a minha irmã. Que para o marido, a mãe dele é o suprasumo da coisa e nunca faz ou diz nada errado. Pois não. Claro que não.

 

Enfim. Estamos quase na Páscoa e ainda ontem ouvi dizer que a culpa do meu marido não ir passar a época com a mãezinha, é minha. Porque eu prendi-o com 3 crianças e o filho é obrigado a trabalhar e não tirar férias para alimentar os meus luxos.

É verdade.

 

Viver assim tão longe dela (agora são qualquer coisa como 5000 km), é um luxo. Ouvir o meu marido dar uma gargalhada ao ouvir isto e a responder-me que mais depressa iamos passar as férias nas Caríbas, é outro luxo.

 

Um luxo chamado paz de espírito.

Do respeito

Eu sou uma pessoa pacífica. Muito.

Não gosto de confrontos, não me identifico com conversas brejeiras nem sou pessoa de usar palavrões nos meus diálogos. [Não sou de longe nem de perto uma santa, e também sei dizê-los se a situação o exigir. Tenho é um limite muito definido e não vejo vantagem em usar tais palavras de forma leviana. E detesto gritar.]

Gosto, portanto, de estar em momentos de harmonia, de usufruir de paz de espírito mas também - e principalmente! -, de bom ambiente familiar, onde possa sorrir com vontade e sentir-me bem. De me identificar.

Durante alguns anos, isso não era a regra na minha vida. Vivia essencialmente para agradar só aos outros, tentando manter o equilibrio entre o que a Sogra achava ser bom para nós, casal, e o que eu identificava ser o que NÓS pretendíamos para a nossa família, a dar os primeiros passos.

Nesses primeiros anos, ouvi e calei mais do que devia, senti na pele mais do que me deveria ter permitido, sorri em demasia aquele sorriso forçado e amarelo, falei baixo de mais, tolerei em demasia. E não só o tolerar de bitaques e opiniões da Sogra mas também a defesa inocente do filho que, com a história de que a Mãe já estava meia "maluca" da idade ou que já não sabia bem o que dizia ou fazia, eu deveria ignorar, esquecer, não levar a sério. Só que em situações em que me sentia humilhada - algo que a Sogra gostava de fazer como prática corrente em eventos familiares, em salas repletas de familia do lado dela e seus amigos -, ele raramente me defendia no momento, muitas vezes porque nem se apercebia, não estava presente no momento ou porque não se estava para dar crédito às atitudes da Mãe.

Com a segunda filha veio o inevitável dom da Sogra achar que podia e devia se intrometer ainda mais na nossa vida. Afinal, ela própria Mãe de 3, sabia muito melhor que eu, criar e educar. Sabia muito melhor do que eu o que as minhas crianças gostavam, como se sentiam e ainda para mais, achava que se ela a meio do dia se lembrasse de ir ver o bebé, tinha que a acordar, a criança tem que ver a avó e ponto final. Assim como em todas as festas que ela organizava, nós tínhamos que ir obrigatoriamente, para mostrar as crianças ao tio xpto e ao primo ztx porque veio da Conchichina e tem que conhecer as crianças. E venham bem vestidinhas, para ficarem mais amorosas. Para mostrar aos outros.

E houve um dia que caput. Deu-se um clique qualquer na minha inteligência e eu amadureci, cheguei ao limite, ganhei respeito por mim e pelas minhas crianças e decidi que elas não eram nenhum animalzinho de circo para estarem em exposição e que nós, casal, não temos que andar ao som do tambor da Sogra.

Respeito. Foi isso que eu decidi que queria para mim. 

Se eu podia ter pela Sogra o respeito que lhe era devido, então, exigia para mim o mesmo respeito que tinha direito. Até porque acima de tudo, EU merecia que Eu tivesse respeito por mim mesma.

Comecei por falar com o meu marido sobre isso. Não no sentido de apontar defeitos à Sogra, nem sequer de falar mal dela ou das suas atitudes. Aprendi com o tempo e, já tínhamos 8 anos de casados, que, "atacar" a Sogra ao marido, dava mal estar entre nós e na verdade, é mãe dele, também não deveria ser fácil ter que lidar com a questão. Falámos num dia tranquilo, em tom de conversa amena, com um sorriso normal, como se falássemos de coisas banais. Disse-lhe que precisava sentir-me mais forte e decidida, mais mulher e mãe e que me colocava sempre em dúvida de ser boa pessoa, por todas as críticas que recebia de "outros". Que duvidava de estar a levar a nossa família a bom porto e que se o meu marido seria realmente feliz comigo. No tom de carinho, ouvi dele a segurança de que tudo estava certo e que eu devia de me desligar das pessoas que me faziam sentir mal, que nada têm que se meter na minha forma de ser como mãe e mulher e que eu deveria ter mais confiança em mim e respeito.

Aproveitando a dica, referi-lhe que "os outros" se resumiam à sua mãe e irmãs. Que me incomodava as suas atitudes e dizeres. Que me sentia infeliz nas reuniões de família dele em que era colocada no centro das atenções para ser criticada e julgada. Que o amava muito mas que não entendia porque tinha que pagar aquele preço. Que somos uma família mas que isso não significa que eu tenha que me sujeitar a um crivo que não faz parte do nosso núcleo de vida.

Talvez porque na altura a conversa foi realmente uma conversa e não foram atiradas pedras em nenhum sentido, correu bem. Eu prometi ter mais condescendência, ele prometeu estar mais atento, nós definimos que a nossa vida conjunta era muito mais importante que ter alguém de fora a dar palpites.

Resultou por uns tempos. De facto, ele começou a estar mais atento e a proteger-me mais dos discursos idiotas da Sogra e sua família. Mas eu continuava a tolerar estar em locais que me incomodavam, a ver e ouvir o que não me fazia sentido.

Planeámos a terceira, em conjunto com as duas que já eram grandinhas e foi uma época muito feliz para nós. O planear, o esperar, a primeira eco partilhada com as moças, o preparar a vinda da terceira... enfim. A felicidade e a benção partilhada por todos, ou quase. A Sogra não achou muita piada e dizia que era uma forma de eu o agarrar ainda mais, que isso só iria trazer mais trabalho ao filho, ter que alimentar 3 crianças e ouvi da boca da melhor amiga dela que 3 era para eu garantir que quando nos divorciassemos, tivesse pensão de alimentos suficiente para viver à grande. E foi aí.

Foi aí que eu decidi que não estava para isso. Que tinha que me respeitar, de uma vez por todas. Que sou gente e que tenho dois palminhos de testa e não preciso destas energias de roda de mim.

Sem controvérsias nem mau falar, sem tons de voz alterados ou mau feitio, informei o meu marido que não tinha qualquer intenção de conviver com a Sogra. Que sou grandinha, livre e tenho vontade própria: posso simplesmente escolher não ir, não partilhar, não conviver. Que não me fazia qualquer diferença que ele continuasse a ir aos almoços de Domingo, aos jantares de sábado, ao que quissesse. Que as filhas podiam acompanhá-lo se quissessem ir com o Pai. Mas que eu, simplesmente, não iria.

Que a nossa casa é local sagrado, nosso, ninho nosso. E como tal, a mãe dele, tal como a minha desde sempre, vinha a convite e não de supresa. Que vinha para estar em comunhão, não para criticar ou mandar. Que nas nossas filhas, opinamos nós os dois, ponto final.

Não fiz qualquer tipo de ameaça ou contrapartida. Não lhe disse que seria Ela ou Eu. Disse-lhe apenas que merecia estar em paz comigo e respeitar-me. E como tal, ela lá, eu aqui. Ponto.

O Coiso entendeu, aceitou e seguimos em frente.

Houve momentos em que eu fui porque achei que valeria a pena. (Não valeu) Outros que simplesmente fiquei a deliciar-me no sofá com um bom filme e uma tijela de Nestum, enquanto eles foram. Nunca me senti revoltada por ele aceitar os convites dela e ir. Pelo contrário. Senti paz por saber que não o estava a privar da mãe mas também não estava a ir contra o meu bem estar. (Aliás, no terceiro casamento, foi só ele, as moças não quiseram ir, tal foi a palhaçada da situação - um dia conto...)

E um dia disse-lhe. Um dia ela teve a lata de me confrontar num almoço de família, da avó do meu marido que fazia 80 anos, no meio de muitas, mesmo muitas pessoas, porque a tinha abandonado e não queria que o filho e netas a vissem. Fiz questão de - calmamente - elucidá-la. "Não tenho nem nunca terei poder ou querer para que o seu filho não a visite. Assim como faço questão que quando o faz, incite as filhas a acompanhá-lo. Agora, não espere que eu vá de livre vontade, conviver com alguém que faz questão de me criticar, de dizer que não aprova a minha pessoa, de julgar-me abaixo de tudo e todos e que não sou suficiente para o seu filho. Eu não preciso de gostar de si, nem a Sogra precisa de gostar de mim. Viva a sua vida, eu vivo a minha, com o meu marido e filhas. Se respeitarmos os limites da convivência uns dos outros, todos somos felizes e vivemos em paz". Gostei do silêncio que se seguiu. E do "muito bem" que a matriarca da família, a avó, resumiu a conversa e retomou a celebração do almoço.

A partir desse momento, eu senti-me finalmente livre da obrigação de ter que gostar da Sogra. E parece-me até que consegui desligar-me e distanciar-me o suficiente para que as coisas me atinjam no presente de forma diferente.

O meu marido aceitou bem esse distânciamento. Talvez porque com o tempo começou a compreender e a ver o que a casa gasta e ele próprio começou a distanciar-se. O tempo encarregou-se de demonstrar que nós temos que ser unidos os 5, sem interferências do exterior.

E coitado, sofreu tantas mazelas com atitudes dela que, com o tempo, começou ele próprio a respeitar-se mais e a perceber que dali nem sempre vem boa coisa.

 

Eu? Eu com honestidade ainda não ultrapassei/esqueci algumas mazelas mais fundas mas perdoei todas. Não adianta ter rancor no nosso coração. Alimenta más energias e faz-nos amargos. E isso, não adianta de nada. Nadinha.

Quero mais é ser feliz. E na receita da felicidade, não vem nenhum ingrediente de rancor ou remorsos. Não vem tristezas velhas nem feridas abertas. Então cabe-nos a nós próprios resolver e colocar essas coisas de parte e construir a nossa felicidade.

 

Respeitar-nos.

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